"Se abandonar a ingenuidade e os preconceitos do senso comum for útil; se não se deixar guiar pela submissão às idéias dominantes e aos poderes estabelecidos for útil; se buscar compreender a significação do mundo, da cultura, da história for útil; se conhecer o sentido das criações humanas nas artes, nas ciencias e na política for útil; se dar a cada um de nós e à nossa sociedade os meios para serem conscientes de sí e de suas ações numa prática que deseja a liberdade e a felicidade para todos for útil, então podemos dizer que a Filosofia é o mais útil de todos os saberes de que os seres humanos são capazes." Marilena Chaui

"Ninguém nasce odiando outra pessoa pela cor de sua pele, por sua origem ou por sua religião. Para odiar, as pessoas precisam aprender e, se podem aprender a odiar podem ser ensinadas a amar". Nelson Mandela

"É preciso atrair violentamente a atenção para o presente do modo como ele é, se se quer transformá-lo. Pessimismo da inteligência, otimismo da vontade". Antonio Gramsci

terça-feira, 20 de setembro de 2016

Extrema direita chega ao poder


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De lado a necessidade de controlar nossa repugnância diante do risinho sujo, debochado e pornográfico de pilantras e trapaceiros de variados calibres, há muito o que refletir sobre o afastamento provisório imposto pela extrema direita à presidente Dilma Rousseff. Ao contrário do que supõem mentes mais apressadas do campo da esquerda, não estamos diante de um fato desprovido de significação na cena política nacional. Decididamente não se trata de que “todos” seriam iguais. Já há algum tempo o MM5 identificou uma aguda disputa política conjuntural entre direita e extrema direita pela detenção das rédeas do exercício do poder governamental no país. Na direita, até dia 12/5 passado no governo, a frente capitaneada pelo PT ao lado do PCdoB. Na extrema direita, uma articulação um pouco mais ampla comandada por um ajuntamento de ocasião com o DEM, PSDB e PMDB à frente.

O porquê desta disputa tem como pano de fundo a crise por que passa o capitalismo, com quedas mais que significativas de lucros e taxas de lucro em nível mundial. Antes mesmo do início do segundo mandato da presidente Dilma, a extrema direita já percebera que a frente PT/PCdoB não tinha condições políticas de fazer frente à crise do ponto de vista burguês, ou seja, de manter os lucros em níveis compatíveis com a capacidade e a necessidade dos investimentos do capital no país. O fato é que, instalados até então em um quadro conjuntural de expansão econômica, os governos Lula e primeiro governo Dilma puderam manter as políticas compensatórias e os principais direitos conquistados historicamente pelos trabalhadores. Com o aguçamento da crise, o PT teria que aprofundar a exploração sobre os trabalhadores: revogação dos direitos trabalhistas, corte dos direitos previdenciários, extinção do 13º Salário, desmonte dos sistemas públicos de educação e saúde etc. etc. – tudo isso de modo a liberar recursos estatais para, assim, financiar aos tradicionais juros de pai pra filho os negócios da burguesia.

Mas o PT não poderia nem pode operar tais medidas na exata dimensão e urgências exigidas pela crise, já que deste modo o partido perderia inevitavelmente suas bases junto aos trabalhadores, cometendo portanto suicídio político. A burguesia percebeu tudo isso e uma conclusão se lhe impôs: o PT, há muito transformado em um partido de direita, que tão bem servira aos capitalistas já não servia mais para servir. Era preciso uma força política disposta a arrancar as vísceras dos trabalhadores, que lhes sugasses o sangue. E eis que surge a candidatura Aécio Neves – ele próprio um desqualificado filhinho de papai – à eleição presidencial de 2014 como elemento catalisador e aglutinador na formação dessa força política de extrema direita. E já no primeiro dia após o resultado da eleição se iniciam as maquinações em direção ao objetivo de derrubar Dilma/PT/PCdoB. Como ingredientes absolutamente indispensáveis à receita deste bolo protofascista, um sistema judiciário-policial herdado da ditadura e uma grande mídia composta por jornalistas os mais venais de que se tem notícia na história da comunicação social: podres, vendidos, mentirosos, covardes, manipuladores.
Nossas tarefas
Vitoriosa a empreitada da extrema direita, instala-se no Palácio do Planalto o velho manobrista Michel Temer. Golpe de estado? Não, não houve golpe de estado. Acreditamos já haver deixado claro neste espaço que a afirmação de que se preparava um golpe de estado não passava de uma alegação da direita no poder com o objetivo de angariar o apoio de forças entre a população em geral para conter o inegável, é claro, avanço da extrema direita sobre seu governo. Mais que nunca, precisamos ser rigorosos. Um golpe de estado em um estado democrático de direito somente se configura com a derrubada deste estado democrático de direito. No caso concreto, com a substituição deste estado democrático por alguma forma de estado ditatorial de direita. Se algum destes dois estados burgueses (de direito ou de exceção/ditatorial) for derrubado pelos trabalhadores estaremos então diante de uma revolução. Simples assim.

Sim, houve um golpe. Não golpe de estado, mas um golpe palaciano – a que alguns têm chamado de ‘golpe de governo’ – de troca da guarda do comitê gestor dos negócios burgueses, como diria Marx. Mas o país continua e continuará sendo uma democracia até o dia em que ocorra um golpe de estado no sentido rigoroso do conceito. Ou até que o proletariado faça sua revolução.

Mudam as condições da luta do proletariado? Sem dúvida, sem que isto contudo signifique a derrubada da democracia. O novo governo vai criminalizar mais ainda, em níveis superiores, os movimentos sindicais e do proletariado em geral. Vai espancar operários e estudantes. Vai intensificar o assassinato de jovens trabalhadores nas favelas. O novo governo, enfim, vai intensificar a repressão como condição da implantação das medidas necessárias para manter o capitalismo funcionando, dando lucros para a burguesia. Tudo isso sem deixar de ser uma democracia. Também na França, Inglaterra e Bélgica, por exemplo, o proletariado é explorado, oprimido, assassinado. E estes países são democracias sólidas, consolidadas. Aliás, seria cômico se não fosse trágico o fato grande parte – a maior parte – da esquerda no país e no mundo hoje acabar colocando, mesmo sem o dizer, os Estados Unidos e os países da Europa Ocidental como objetivo programático-estratégico de sociedade, em exercício de degradada utopia, já que insiste tal esquerda em busca de consolidar a democracia em seus países. E, horror dos horrores, tal esquerda se diz marxista.

Temos os marxistas pela frente grandes desafios. O primeiro e decisivo deles, o de não nos alinharmos a quaisquer linhas de defesa da democracia ou de busca de democracias quaisquer que sejam. A história já demonstrou à exaustão que defender a democracia, mesmo que por tática – como insistem os mais ingênuos – significa objetivamente alhear-se dos interesses e objetivos do proletariado. Significa alinhar-se a objetivos e metas burgueses e pequeno-burgueses. A história demonstrou isso à exaustão e à custa da luta e da vida dos mais valorosos combatentes pelo proletariado. Temos os marxistas que nos manter firmes em defesa de nossos princípios e objetivos, ou seja, dos objetivos e princípios da luta por uma revolução capaz de instalar um estado e uma sociedade socialistas de transição ao comunismo. Ao comunismo, que fique claro, já que ‘transição ao socialismo’ só existe nos vocabulários reformistas (gramscianismo incluído) e trotsquista. Em lugar nenhum da letra marxista.

Abre-se sem dúvida um período de aguçamento das lutas diretas de classes no país. Neste quadro, temos os comunistas que nos colocarmos ao lado e à frente do proletariado nessas duras lutas que se avizinham em defesa de suas reivindicações e de seus direitos. Vamos à luta em busca da criação de um movimento sindical verdadeiramente independente. Vamos à luta em busca da formação de uma vanguarda proletária no seio mesmo deste proletariado, acumulando forças para, em um quadro conjuntural revolucionário, em uma verdadeira conjuntura revolucionária – e não nessas ‘conjunturas revolucionárias’ que o trotsquismo jura ver em cada esquina –, possamos partir efetivamente para a destruição revolucionária do estado burguês (democrático ou não) e o erguimento de um estado proletário e uma sociedade socialista de transição à única utopia digna deste nome: o comunismo. Venceremos!

Pela independência política, ideológica e política do proletariado!
Link: http://www.mmarxista5.org/nacional/210-extrema-direita-chega-ao-poder

segunda-feira, 11 de julho de 2016

Cuba: A saudável Ilha que contamina o mundo com seu exemplo

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Fonte: http://www.tercerainformacion.es/antigua/spip.php?article71890

Segundo o organismo das Nações Unidas, o sistema de saúde de Cuba tem valor de exemplo para todos os países do mundo.
O sistema de saúde cubano é mundialmente reconhecido por sua excelência e sua eficiência. Apesar de recursos extremamente limitados e o impacto dramático causado pelas sanções econômicas que impõem os Estados Unidos a mais de meio século, Cuba alcançou a universalização ao acesso a saúde a todas as categorias da população e conseguir resultados similares a das nações mais desenvolvidas.
Durante a sua recente visita a Havana, Margaret Chan, Diretora Geral da Organização Mundial de Saúde, elogiou o sistema de saúde cubano e declarou-se impressionada com as realizações neste campo. "Cuba é o único país que eu vi que tem um sistema de saúde intimamente relacionado com pesquisa e desenvolvimento em ciclo fechado. É essa a direção certa, porque a saúde humana não pode melhorar se não há inovação ", disse ela. Ela saudou "os esforços da liderança deste país para colocar a saúde como um pilar essencial do desenvolvimento". 
O sistema de saúde de Cuba é baseado na medicina preventiva e os resultados são excelentes. De acordo com Margaret Chan, o mundo deve seguir o exemplo da ilha neste campo e substituir, o modelo ineficiente e caro, por um sistema baseado em modelo curativo prevenção. "Queremos ardentemente que todos os habitantes do planeta pode ter acesso a cuidados de saúde de qualidade, como em Cuba", disse ela.
A OMS observa que a falta de cuidados médicos no mundo é de forma alguma uma fatalidade de uma falta de recursos. Traduz-se, por outro lado, a falta de vontade política por parte dos líderes para proteger as populações mais vulneráveis. A organização cita o caso da ilha caribenha como o contra-exemplo perfeito. Por isso, em Maio de 2014, Cuba presidiu a 67ª Assembléia Mundial da Saúde, em reconhecimento da excelência do seu sistema de saúde.
Com uma taxa de mortalidade infantil de 4,2 por mil, Cuba tem o melhor indicador do continente e do Terceiro Mundo, o que reflete a qualidade do seu sistema e do impacto sobre o bem-estar das crianças e mulheres grávidas. taxa de Cuba é ainda menor do que os EUA e está entre os mais baixos do mundo.
Com uma expectativa de vida de 78 anos, Cuba tem um dos melhores indicadores das Américas e do Terceiro Mundo, com um indicador semelhante das nações mais desenvolvidas. Em média, os cubanos vivem 30 anos mais do que os seus vizinhos haitianos. Em 2025, Cuba terá a maior proporção de pessoas com mais de 60 anos da América Latina.

Um sistema de saúde que serve os povos do Terceiro Mundo
Cuba também beneficia os povos do Terceiro Mundo do seu sistema de saúde. Com efeito, desde 1963, Cuba envia médicos e outros profissionais de saúde para países do Terceiro Mundo para atender os deserdados. Atualmente, cerca de 30.000 profissionais de saúde que trabalham em mais de 60 países em todo o mundo.
O principal exemplo dessa solidariedade com o despossuídos é a Operação Milagre, que lançou Fidel Castro e Hugo Chávez em 2004. Esta campanha humanitária, desenvolvido a nível continental sob o projeto de integração da Aliança Bolivariana para os Povos de Nossa América ( ALBA), é operar gratuitamente aos pobres latino-americanos que sofrem de catarata e outras doenças oculares.
Dentro de uma década, cerca de 3,5 milhões de pessoas recuperaram a visão graças ao internacionalismo cubano. Este programa social, criado em uma primeira vez para a Venezuela, se espalhou por todo o continente, a fim de operar 6 milhões de pessoas. Além de operações cirúrgicas, "Miracle" fornece óculos e lentes de contato para as vítimas de problemas de visão.
No total, cerca de 165 instituições cubanas participem na Operação Milagre, que tem uma rede de 49 centros de atendimento oftalmológico e 82 centros cirúrgicos em 14 países da América Latina: Bolívia, Costa Rica, Equador, Guatemala, Guiana, Haiti, Honduras, Granada , Nicarágua, Panamá, Paraguai, São Vicente e Granadinas, Venezuela e Uruguai.
A solidariedade médica cubana também se estende a África. Em 2014, LABIOFARM, empresa de produção química e biotecnologia cubana, lançou uma campanha de vacinação contra a malária na África Ocidental, em nada menos que 15 países. Segundo a OMS, o vírus que afeta principalmente crianças, que custa a vida de pelo menos 630.000 pessoas por ano, "a maioria das crianças menores de cinco anos que vivem na África." "Isso significa que 1.000 crianças morrem diariamente de malária", lembra a Organização.
Da mesma forma, Cuba forma jovens médicos de todo o mundo na Escola Latino-Americana de Medicina (ELAM). Desde a sua criação em 1998, a ELAM já formou mais de 20.000 médicos em mais de 123 países. Atualmente, 11.000 jovens de mais de 120 nações estão estudando medicina em instituição cubana. De acordo com Ban Ki Moon, Secretário-Geral das Nações Unidas, a ELAM é "a escola de medicina mais avançada no mundo". Ele também elogiou os médicos cubanos que trabalham em todo o mundo e particularmente no Haiti: "Sempre chegam primeiro e são os últimos a sair, e manter-se após a crise. Cuba pode mostrar a todos seu sistema de saúde, um modelo para muitos países."
Citando o exemplo de Cuba, a Organização Mundial da Saúde enfatiza que é possível para um país do Terceiro Mundo, com recursos limitados desenvolver um sistema de saúde eficiente e fornecer todas as populações proteção social se houver a vontade política para localizar o ser humano no centro do projeto de sociedade.

* Doutor em Estudos Ibéricos e Latino-americanos da Universidade Paris Sorbonne-Paris IV, Salim Lamrani é professor na Universidade de Reunião e jornalista especializado nas relações entre Cuba e os Estados Unidos. Seu último livro é intitulado A guerra econômica contra Cuba. Uma perspectiva histórica e jurídica sobre o bloqueio EUA, New York, Monthly Review Press, 2013, com prefácio de Wayne S. Smith e prefácio de Paul Estrade.

segunda-feira, 7 de março de 2016

A perversidade do sistema capitalista. O que fazer?

 No capitalismo, como em qualquer sistema de concentração de poder, a repressão funciona “bem” para “benefício” de poucos.
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Por Pertti Simula*
Da Página do MST

Analisando somente quatro características essenciais da nossa sociedade podemos concluir:

a) A essência do capitalismo é o capital, dinheiro. Quem tem capital ganha mais por ter capital. O dinheiro e lucro é o objetivo “sagrado” que justifica os meios. Isto resulta numa especulação e exploração dos recursos naturais e humanos (trabalhadores) sem limites, causando enormes injustiças econômicas e sociais. 

b) O sistema político é de democracia representativa que significa delegar o poder político para representantes (presidente, governadores, senadores, delegados, vereadores) causando uma alienação do povo da tomada de decisões e de planejamento da sociedade. Com isto a democracia foi sequestrada e colocada a serviço do poder especulativo, econômico.

c) O trabalho é organizado de modo que quem tem capital consegue se tornar empregador e os trabalhadores são empregados. A relação entre empregador e empregado significa um conflito estrutural. O empregado trabalha numa alienação e submissão humilhante. O empregador vê o empregado como um mero recurso e despesa sem aspecto humano.

d) Na economia há uma obsessão de continuo crescimento enquanto que o meio ambiente e a natureza estão sendo destruídos com o consumismo, uso de agrotóxicos e monocultura, mineração e exploração energética. O econômico é um inimigo perigoso à natureza. Esta estrutura funciona como um poderoso formador da personalidade dos seres humanos e dos povos. Ela é uma máquina de lavagem cerebral forçando todos nós a aceitar e adaptarnos à essa estrutura sem questionamento.

Por um lado, o capitalismo, como de fato, qualquer outro sistema de concentração de poder, desperta e fomenta em todos nós as seguintes características de personalidade: alienação, competitividade, egoísmo, ganância, inveja, machismo e resignação. Além disto, o capitalismo fomenta especialmente nos indivíduos mais ricos a sensação de isolamento, mania de grandeza, cinismo e paranóia.

Por outro lado, a sociedade provoca e alimenta em nós sentimentos crônicos de inferioridade, insegurança, medo, humilhação, indignação, revolta, raiva, culpa, impotência... Mas a sociedade cultiva a sensação que justo estes sentimentos são sintomas de desequilíbrio e fraqueza, levando as pessoas a entender que não deveriam sentir assim.

Portanto, a sociedade causa sentimentos negativos e ao mesmo tempo os torna proibitivos. O sistema de poder é uma armadilha. Esta contradição interna, de não poder sentir o que está sentindo, forma um breque abafando nossa coragem, iniciativa, criatividade e força para podermos reagir, nos unir e organizar contra injustiças e desenvolver uma sociedade justa, igualitária e solidária.

Esta estrutura fomenta em nós justo aquilo que há de mais perverso resultando em doenças psíquicas e físicas, machismo, dependência de drogas e outros, exclusão social, criminalidade, extremismo religioso, terrorismo e guerras. Nos séculos XV - XVII os países europeus colonizaram e escravizaram praticamente todos os outros continentes com armas, crueldade e genocídios. Hoje a colonização é mais sutil através das empresas multinacionais.

Os países colonizados que se libertaram no século passado, hoje competem entre si para atrair os donos do capital investirem nos seus países para serem explorados em sua mão de obra e em seus recursos naturais. Antes o trabalhador era um escravo, mas pelo menos um bem do patrão. Hoje o empregado é um mero item na sua planilha de custos.

Os problemas e o sofrimento dos povos causados pelo capitalismo no mundo tem se acentuado fortemente nas últimas três décadas. As conquistas na área da segurança social têm sido sistematicamente desmontadas. Os postos de trabalho estão sendo precarizados. O jovem tem uma perspectiva sombria para seu futuro com tédio, entretenimento vazio e falta de finalidade de vida.

No capitalismo, como em qualquer sistema de concentração de poder, a repressão funciona “bem” para “benefício” de poucos. As tentativas de construir coletivos e sociedades com princípios socialistas têm tido muita dificuldade de se propagar e suceder. Um dos fatores é que todos nós estamos viciados na repressão de modo que nós a aplicamos aos outros e nós mesmos por nós mesmos. Este hábito de repressão é uma armadilha que o sistema de poder conseguiu implantar no nosso modo de sentir, impedindo até hoje a nossa libertação.

Os poderes não querem que o povo possa sentir conscientemente indignação, injustiça, revolta, coragem, amor e união. Uma reflexão sobre a doença do poder Querer usar todos os seus meios para fazer bem para os outros é um ato de amor. Já, querer ter poder para si,  é um sintoma de desequilíbrio mental, que tem muitas vezes sua origem no sentimento numa infância de falta de amor, portanto, num sentimento de falta de existência.

O poder dá uma sensação de que agora eu existo. O poder é como uma droga alienante, quanto mais poder  se consegue , mais aumenta a necessidade de alcançá-lo ainda em doses maiores causando um circulo vicioso, uma dependência. Por isso a sede de poder aumenta sem limites.

Ganhando poder o ser humano pode exigir dos outros. Exigir é um ato de repressão, limitação da liberdade do outro, e, por tanto, da responsabilidade dele, é em ultima instancia uma tentativa de limitar a consciência do outro. O poderoso acaba inevitavelmente se reprimindo a si mesmo, sendo que tudo que fazemos com o outro, fazemos dentro de nós mesmos no nosso modo de sentir e pensar (Sócrates, filosofo grego 450 a.C.).

O poderoso se sente maior e mais importante que os outros (arrogância). Ganhar poder alimenta a mania de grandeza nele. O poderoso é bajulado por outros, e isto o aliena ainda mais da realidade. O sistema tende levá-lo para corrupção e recorrer a ditatura.

É interessante como no hospital psiquiátrico os doentes se acham gente grande como Napoleão, Cristo, Deus etc. O psiquiatra, psicanalista finlandês Martti Siirala falou numa entrevista que quanto mais se sobe nas escadas de poder mais se encontra gente fora da realidade (doente). Disse Lorde John Acton, um historiador liberal inglês do século XIX: "o poder tende a corromper; o poder absoluto corrompe de maneira absoluta. Os grandes homens quase sempre são homens maus".

O que fazer?

Na questão estrutural, devemos construir uma sociedade socialista com bases na solidariedade e na igualdade entre todos e todas, deve ter uma organização do poder maximamente horizontalizada (o principio geral do MST). A democracia participativa (direta) deve ser a essência da democracia o povo votando sobre todas as decisões importantes diretamente. Ao lado disto, a democracia representativa será mantida para escolher os representantes que cuidam da implantação das decisões. Isso requer um processo longo de desenvolvimento humano e social, mas é uma condição necessária para as pessoas crescerem na consciência humana, social,
política, econômica e ecológica.

A questão psíquica da lavagem cerebral pelo capitalismo é um fato e desafio bem conhecido e comentado. Conforme o conceito capitalista o ser humano tem pela sua natureza as seguintes características: Ele é competidor querendo sempre submeter os outros (darwinismo). Ele é conquistador, sempre querendo mais poder (ganância). Ele é racional, e lutando pelos seus objetivos está fazendo bem para a sociedade em geral (“mão invisível”, Adam Smith, economista inglês, século XVII).

Já no socialismo, o ser humano tem sua base na solidariedade, igualdade, justiça social e fraternidade. O desafio é conseguir lidar com esta “bagagem” doentia da estruturação psicológica das nossas mentes pelo capitalismo, e gradativamente tornar o nosso hábito de sentir, pensar e agir mais de acordo com solidariedade, igualdade e valorização humana. Em outras palavras precisamos conscientemente e continuamente desfazer a lavagem cerebral que o capitalismo nos impôs, e criar novos hábitos de sentir, pensar, agir e conviver.

Há uma contradição total entre estes dois conceitos sobre o ser humano. Parece que temos carência de saber como lidar com esta contradição. Para isto é necessário criar um conceito novo sobre o ser humano, que por si só fomenta o sentimento socialista, quer dizer solidariedade, liberdade e igualdade.

Um conceito que funciona no sentido de incentivar o nosso modo de sentir para a responsabilidade coletiva, coragem, ética e igualdade. Devemos introduzir gradativamente no coletivo uma abordagem que coloca o foco na valorização humana e social, por exemplo, os seguintes passos:

1. Desaprenda gradativamente as rotinas repressoras de educação, motivação e gestão de recursos humanos. Isto resulta num despertar de conscientização e do sentimento de respeito e valorização mútua, portanto, num aumento da alegria e solidariedade.

2. Conscientize-se sobre a nossa total liberdade para sentir e a liberdade limitada para agir. Desenvolva aceitação e respeito pelo modo de sentir dos outros e de si mesmo. O poder de manipulação emocional através de descontentamento, humilhação ou raiva é reduzido drasticamente. O poder psicológico da repressão perde a sua força. Isto vai levar ao aumento do sentimento de liberdade e responsabilidade, portanto, alegria e união do coletivo.

3. Desenvolva o hábito de reforçar a consciência das riquezas humanas. Não faça critica ou avaliação sobre uma pessoa. Avalie o que ela faz com respeito e reforçando a consciência das riquezas dela. Desenvolva a compreensão sobre os nossos empecilhos internos. Haverá um sentimento de valorização mútua entre os membros do coletivo, o que aumenta a união, motivação e coragem.

4. Introduza a percepção de que somos todos espelhos internos uns dos outros em características humanas. Tudo que vejo no outro está em mim também, obviamente em graus e modos diferentes. Esta consciência aumenta a sensação de igualdade, reduz a critica, a classificação (“pior/melhor”), acusações e conflitos pessoais e fomenta cooperação e o desenvolvimento humano pela autoconsciência.

5. Conscientize-se de que tudo o que eu faço ao outro, eu faço dentro de mim, a mim mesmo. Assim, debochar, humilhar, reprimir, explorar e agredir perde “a graça” na medida em que o coletivo percebe que o agressor está sendo a sua primeira e principal vitima. Isto aumenta o sentimento de segurança, cooperação e fraternidade.

6. Conscientize-se de que injustiça e maldade são curados apenas com justiça e amor. Não dê poder para o problema, não coloque o foco no erro, fortalece o bem. Isto vai reduzindo a vontade de julgar, reprimir, brigar e agredir aumentando o sentimento do amor e respeito mútuo.

7. Desenvolva uma estrutura social em que todos participam cada vez mais na discussão e tomada de decisões sobre assuntos importantes para promover a responsabilidade coletiva e a solidariedade, assim as ações destrutivas são prevenidas e impedidas pela responsabilidade coletiva. A participação aumenta a responsabilidade coletiva, a solidariedade e igualdade.

Este é um processo de transformação do modo de sentir, pensar e agir. A candidata para presidência dos Estados Unidos, Hillary Clinton revelou a condição de se ter poder: “Não estou interessada em ideais que parecem boas idéias no papel, mas que nunca irão funcionar no mundo real.” (Folha de São Paulo 22.01.2016) A posição dela é manter tudo como está, assim não vamos ter qualquer progresso real nas dimensões humana, social e ecológica.

Mais do que nunca a assertiva de Che Guevarra é necessária: “Vamos ser realistas e tentar o impossível.”

* Pertti Simula é psicanalista e Mestre em Ciências

A abordagem usada no texto, chamada de método conscientia, é o resultado de um trabalho de 30 anos unindo observações práticas das dimensões do coletivo, cooperação, campo terapêutico e das relações humanas. O desenvolvimento da metodologia está sendo realizado em grande parte em cooperativas, escolas e institutos de formação do Movimento dos Trabalhadores Rurais sem Terra do Brasil – MST, além da participação de educadores de escolas na Finlândia e Suécia.
Fonte:http://www.mst.org.br/2016/02/15/o-nosso-sistema-de-poder-e-perverso-o-que-fazer.html
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