"Se abandonar a ingenuidade e os preconceitos do senso comum for útil; se não se deixar guiar pela submissão às idéias dominantes e aos poderes estabelecidos for útil; se buscar compreender a significação do mundo, da cultura, da história for útil; se conhecer o sentido das criações humanas nas artes, nas ciencias e na política for útil; se dar a cada um de nós e à nossa sociedade os meios para serem conscientes de sí e de suas ações numa prática que deseja a liberdade e a felicidade para todos for útil, então podemos dizer que a Filosofia é o mais útil de todos os saberes de que os seres humanos são capazes." Marilena Chaui

"Ninguém nasce odiando outra pessoa pela cor de sua pele, por sua origem ou por sua religião. Para odiar, as pessoas precisam aprender e, se podem aprender a odiar podem ser ensinadas a amar". Nelson Mandela

"É preciso atrair violentamente a atenção para o presente do modo como ele é, se se quer transformá-lo. Pessimismo da inteligência, otimismo da vontade". Antonio Gramsci

domingo, 23 de junho de 2013

Há um tesouro na Ilha de Cuba!



 Impossível conter a vontade de escrever sobre Cuba. Um pequeno país, cercado por águas transparentes, lindo! Cercado também por ideais e valores há muito tempo perdidos neste outro mundo que cerca a ilha. Quem já fez um mergulho em Cuba sabe. Sabe que a Ilha guarda tesouros simples como a gente de lá. Não falo dos “tesouros” que hoje em dia encontramos nas lojas. Nesta ilha pequena os valores são outros...
Por isso a vontade de contar um pouco, também com simplicidade, o que encontrei na  Ilha de José Martí, Che Guevara e Fidel. Por que não?
Questões políticas, econômicas e sociais, na televisão são fáceis de encontrar. Talvez fácil demais! Reportagens aéreas feitas em aviões norte-americanos. Assim eu imagino. Para quem busca outros olhares, sugiro a imprensa mais livre e imparcial.
Prefiro falar de impressões, sensações e imagens de quem andou junto, a pé, de barco e guaga (ônibus cubano). De quem viveu o fácil e o difícil. Vivi pouco tempo em Cuba, 35 dias, mas senti muito, então, por isso me arrisco a dizer...
Viajar para Cuba é voltar ao passado e voltar com muitas saudades. Rever antigos valores e hábitos e descobrir que eles não se perderam. Apenas deixamos de lado ou colocamos embaixo de uma lista gigante que este mundo louco nos força sempre a cumprir. Nem sempre é assim, ainda bem!
 Mesmo em Havana, cidade grande e capital, o passado se torna presente quando encontramos crianças jogando pelota (beisebol), bola de gude e pião pelas ruas. Em um instante o retorno à infância tranquila. Os brinquedos, na maioria das vezes, são improvisados e feitos por eles. Os puros (idosos) também jogam dominó na rua, ou passam a tarde cantando e tocando nos clubes de “obreros”. Nas festas de aniversário brincamos de pagar prenda e estourar piñata (caixa de papel feita à mão, recheada de talco, livros, balas e surpresas). Ganhei uma festa assim. Fiz aniversário em Cuba. Presente feito é muito melhor que comprado.
O celular pode ser um assovio ou um encontro certeiro e diário na casa da madrinha. Madrinha em Cuba é quem ajuda, acolhe e cuida dos afilhados. Como uma segunda mãe. A visita pode ser também a um vizinho amigo. Eles realmente trocam açúcar e café, ou compartilham momentos, necessidades e os acontecidos do dia. Participei desta rotina e me senti muito bem em trocar a cerveja do final de semana por um café som Salsa (ritmo cubano) na casa da madrinha. Sentir o apoio e o cuidado entre eles, transforma a simplicidade das pequenas casas, em casas cheias de conforto e acolhimento. Adoram cadeiras de balanço, o dia-a-dia das ruas, os namoros no portão. Portas e janelas abertas, para olhar e também para receber.
É claro os celulares já chegaram na ilha, e que rum e cerveja também aparecem nas festas. Mas é outra relação e proporção. Uma matemática mais humana, onde o encontro físico e pessoal, o cuidado com o outro, as pequenas conversas e alegrias prevalecem. Como no interior do Brasil. Será? Afinal, poucos aqui ainda se lembram da palavra Solidariedade.
Em cada ciclo escolar um uniforme diferente. Vermelho, branco e azul, nas cores da bandeira, identificam estágios e estudantes. Nas ruas, bibliotecas ou nas janelas das escolas, encontramos as cores e os alunos. Delícia ver nos círculos infantis os pequeninos fazendo a siestas em pequenas redes brancas. Tudo aberto e transparente. Escola integrada a todos, com transporte, alimentação e cuidados. Tudo muito organizado e direcionado. Demasiado? Pode crer. Mas conduzir com simplicidade, ter metas e direção também pode ajudar na educação e na construção da consciência. Por que não aprender um pouco com eles, ao invés de apenas dizer que é um retrocesso? Nossa educação caminha livre? Em qual direção?
O tempo em Cuba passa diferente. Nas filas, nas famosas “colas”, é tempo de conversar com quem está do lado. Tranquilo. No trabalho, dá tempo de fazer tudo e ainda sobra tempo para relaxar e conversar um pouco. Adoram! Os turistas, mesmo de férias, gastam o tempo reclamando do atendimento cubano. Mas não é preguiça ou descaso, perguntem aos baianos! É só um jeito mais leve e despreocupado de levar a vida. E se a vida é feita do tempo, arrisco dizer que a dos cubanos é maior.
Conheci mães, aposentados, artesãos, donas de casa, pintores, um médico, motorista de bicitáxi, advogado, professor de futebol, artista plástico, cozinheira, revolucionários atuais e antigos heróis de Sierra Maestra, a oposição, músicos, amigos e não amigos, mas senti em todos eles algo em comum. A riqueza está no comportamento, nas relações, na educação. Não estou falando que são doze milhões de intelectuais e que toda a população faz universidade. Nem que a cultura dos cubanos é densa e complexa. Ainda bem que não é assim. Mas são geralmente pessoas esclarecidas, que têm um mínimo de conhecimento do mundo e da vida. Capazes de pensar, fazer e escolher com consciência.
Em Cuba presenciei, em várias casas e nas ruas, uma relação saudável entre pais e filhos. Carinho, intencionalidade, direção e cuidado. Independente dos pais estarem juntos ou separados. Isto me tocou forte porque na escola pública, onde trabalho, o que sinto e percebo é o oposto. Crianças que possuem família, mas que são órfãs de afeto e cuidado. Como um dia foram seus pais?
Povo muito parecido com o brasileiro. Tanto fisicamente, nos tons que vão do leite ao café, um pouco mais mesclados, quanto no jeito alegre de levar a vida. Apesar de existir algum preconceito, este é bem menor do que o do brasileiro. Os cubanos são sempre “compañeros”! E a profissão depende do esforço, da escolha e da classificação e pontuação nas escolas (que é a mesma para todos). A moda é feita de autenticidade e da criatividade de se vestirem com os poucos artigos, nem sempre de boa qualidade, que são disponibilizados nas “tiendas” da Ilha. Divertida!
A hospitalidade e a facilidade de relacionamento só não são maiores pela situação atual do país, onde o turismo, e consequentemente os turistas, em um primeiro momento, significam renda. Uma vitrine viva do consumo, e de uma vida que muitos deles não sabem, ainda, que pode ser vazia...Mas a aproximação é certa para quem busca amigos verdadeiros. No início as relações podem parecer um pouco dúbias, mas depois vem a compreensão e a superação. Aos brasileiros elogios políticos, com algumas ressalvas necessárias. Já as novelas são assistidas por todos, viva a música e o futebol.
Esporte, museus e espaços culturais, cinema, lazer e livros a preços simbólicos. A televisão informa, ensina e distrai, com uma programação bem especial para as crianças. Aprendem sobre música e história se divertindo, e nas salas de aulas revêem estes programas com a orientação do professor. As edições são em papel jornal e na televisão não há grandes produções ou efeitos especiais. Preocupam-se mais com o conteúdo do que com a forma. Nos sebos e livrarias muitos autores brasileiros e outros mais... Mas a internet é limitada e o acesso complicado. Espero que logo, logo o artista plástico que conhecemos em Santiago, e tantos outros profissionais (com exceção dos médicos e acadêmicos que já possuem), possam dialogar um pouco mais com o mundo através da internet.
Há mesmo em Cuba muitas controvérsias, mas não está fora da ilha a receita de uma abertura saudável, que conserve os princípios e as conquistas sociais e humanas. A nós resta acolher e ajudar. Como os estudantes brasileiros, na década de 60, fizeram através de versos e movimentos. Estes vieram da memória de uma revolucionária brasileira que participou do movimento estudantil na época da ditadura.

“Mira la que linda viene, Mire la que linda vá, la Revolución Cubana, Socialista e Popular.”

“Cuba sí, yanques no. Bienvenidos compañeros de América Latina,
Extendemos nuestras manos, cruzemos nuestras banderas.”

E por que não termos heróis reais, que ensinam integridade e desapego? Exemplos vivos de luta e de humanidade? Nas ruas as frases não são slogans da Coca-Cola e os heróis não possuem super poderes. Apenas palavras, atos e dignidade. Pequenos aforismos do poeta José Martí e frases de Che Guevara, pintados nos muros e nas casas pelos próprios moradores. Ternura e firmeza, trazendo ao dia-a-dia dos cubanos os verdadeiros ideais revolucionários.

“La felicidad existe sobre la tierra; y se la conquista con el ejercicio prudente de la razón, el conocimiento de la armonía del universo y la práctica constante de la generosidad.”

 “Basta, para ser grande, intentar lo grande”

“Cada casa limpia e ventilada es una escuela”

“Sólo perdura, y es para bien, la riqueza que se crea, y la libertad que se conquista con las propias manos”

“Como mármol há de ser el carácter: blanco y duro.”

“Los niños son la esperanza del mundo”.

(As frases são de José Martí - poeta revolucionário do final do século XIX)

Milene Brizeno Chalfun 

Fonte: http://inverta.org/jornal/edicao-impressa/437/especial/ha-um-tesouro-na-ilha-de-cuba

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