Trecho retirado do site http://www.conexaoprofessor.rj.gov.br/especiais
Conexão Professor (CP) – O que os alunos, professores e a rede pública estadual de ensino podem esperar do Currículo Mínimo?
Beatriz Pelosi – O Currículo Mínimo pretende garantir que o ensino, em todas as escolas da rede, siga um padrão básico, que contemple todos os conhecimentos importantes para que o aluno tenha uma formação completa, no sentido de cumprir todos os objetivos da educação básica: preparo para o mundo do trabalho, para os estudos posteriores (universitário) e para a vida, com a sua atuação como cidadão. Com o cumprimento do Currículo Mínimo, o aluno também tem a garantia de estar sendo preparado para avaliações como a Prova Brasil e o Enem.
Os professores têm um documento básico, que orienta o seu planejamento e as suas atividades. Nesse documento, ele encontra compiladas todas as orientações e legislações, estaduais e nacionais, de forma que tem a garantia de que, ao cumprir o Currículo Mínimo, atenderá todas as diretrizes da Educação Básica. Além destas, também as matrizes de referência dos principais exames externos estão contempladas e abarcadas pelo CM.
Trecho da entrevista de Beatriz Pelosi - Diretora de Pesquisa e Orientação Curricular da Seeduc.
Nós educadores, como intelectuais, não podemos aceitar passivamente tudo que nos é dado a fazer, haja vista que somos usados pela elite, pelos donos de meios de produção (burguesia) e pelo Estado como algozes de seres humanos, como desmobilizadores de sonhos, quando nos sujeitamos a preparar nossos alunos para o tal “mercado de trabalho” e para a manutenção da desigualdade social e da dinâmica capitalista, que busca manter a massa alienada, ignorante a sua condição de sujeito autônomo, criador, para poder explorar o trabalho braçal, sensório-motor e simples, com fins puramente lucrativos. A instituição escolar é um aparelho ideológico do Estado, de manutenção do Status-Quo, e como tal, trabalha de forma a manter a sociedade dividida em “Brasil que pensa e manda”, e “Brasil que foi formado para a servidão. Brasil que deve obedecer”.
No desenvolvimento do modo de produção capitalista, revelam-se aí essas duas vertentes representadas pelas classes sociais: a classe dominante, a burguesia detentora do capital e proprietária dos meios de produção (fábricas, máquinas, comércios), e a classe dominada, o proletário produtor, que só possui a força de trabalho, os quais são qualificados dentro das escolas gratuitas oferecidas pelo Estado. Os interesses dessas classes, sendo divergentes, só se sustentam mediante a dominação de uma classe sobre a outra. Daí a importância do aparelho escolar também como forma de perpetuação da consciência social ou ideologia e da hegemonia burguesa.
Segundo Maria Lúcia de Arruda Aranha, em seu livro Filosofia da Educação, Louis Althusser, filósofo francês, considera que a função da escola não deve ser compreendida de forma isolada da sociedade, mas enquanto inserida no contexto da sociedade capitalista. Diz ainda que toda produção precisa assegurar a reprodução de suas condições materiais. Por exemplo, uma tecelagem, para continuar funcionando, precisa reproduzir sua matéria-prima, suas máquinas e sua força de trabalho. Por isso, fora da empresa, há o criador de carneiros, que fornece a lã, há a metalúrgica, que fabrica as máquinas, enfim. Mas onde ocorreria a reprodução qualificada (diversificada) da força de trabalho? Althusser responde: “Através do sistema escolar capitalista e outras instâncias e instituições.”
Sendo assim, ao mesmo tempo em que ensina um saber prático, elementar, rudimentar, voltado para a qualificação da força de trabalho (alguma semelhança com o nosso Currículo Mínimo?), a escola reproduz a ideologia dominante e mantém a dinâmica social cruel já citada acima, ou seja, fazer da escola pública fábrica de qualificação de força de trabalho.
Ao analisarmos o trecho da entrevista no início de forma dialética, crítica, refletindo sobre as reais intenções, as quais nem sempre são observadas pelo senso comum, pois este não permite a visão além da ideologia apregoada pela elite burguesa dominante, focamos em algumas expressões, que nos dão a visão “panorâmica” da intencionalidade das ações, diretrizes e objetivos a serem alcançados pelo CM.
“Garantir que o ensino da Rede siga um padrão básico”- A Escola pública, empresa estatal de produção de força de trabalho, deve seguir um padrão de produção uniforme, ao melhor estilo ISO 9000, que prevê um produto final sem distorções e variações, de qualidade, onde se busca sempre as reduções de custos e desperdícios. Produzir muito a baixo custo. Essa é a missão: Reprodução qualificada e diversificada de força de trabalho barata para atender a demanda do capitalismo, da burguesia, da elite pensante.
“objetivos da educação básica: preparo para o mundo do trabalho” – Que tipo de trabalho está em referência? O trabalho simples, que não exige intelectualidade alguma, de acordo com a definição de Marx, trabalho alienado, que não produz riqueza e nem tão pouco proveito algum para o executante, mas sim para o que se apropria deste.
“estudos posteriores (universitário)” – Não há como dar acesso aos alunos filhos dos trabalhadores à universidade pública com a atual dinâmica excludente de acesso ao ensino superior, onde os filhos das elites ocupam nas universidades públicas o lugar daqueles que foram segregados desde o início, no ensino básico da escola pública. O que resta então aqueles que são egressos da escola pública? Engordar os bolsos dos capitalistas da educação nas universidades privadas, quando podem.
“atuação como cidadão” – Cidadão é um indivíduo que tem consciência de seus direitos e deveres e participa ativamente de todas as questões da sociedade. A idéia de cidadania ativa é ser alguém que cobra, propõe e pressiona o tempo todo. Para o educador brasileiro Demerval Saviani, ser cidadão significa ser sujeito de direitos e deveres: “Cidadão é, pois, aquele que está capacitado a participar da vida da cidade e, extensivamente, da vida da sociedade”. Há aqui uma incompatibilidade de interesses neste conceito, o que o Estado deseja é que sejamos pacíficos e dominados pelo conformismo para que não se traga incomodo algum a classe dominante.
“estar sendo preparado para avaliações como a Prova Brasil e o Enem” – Segundo Gadotti, o educador Paulo Freire desenvolveu um conceito de qualidade que se distinguia de toda a conotação neoliberal. Quando estava à frente da Secretaria Municipal de Educação de
São Paulo ele falava de uma "nova qualidade". A qualidade é todos (quantidade)
terem acesso ao conhecimento e a relações sociais e humanas renovadas. Qualidade é empenho ético, alegria de aprender. Para o pensamento neoliberal, a qualidade se confunde com a competitividade. Negam a necessidade da solidariedade. Contudo, as pessoas não são competentes porque são competitivas, mas porque sabem enfrentar seus problemas cotidianos junto com os outros e não individualmente. Não podemos educar para preparação de exames excludentes, temos que educar para contribuir para a formação humana integral, e ademais, essas avaliações somente existem com o propósito de atender às exigências dos órgãos internacionais, como: Banco Mundial, UNESCO e outros, que são instrumentos de dominação e controle das economias globais, que não tem o interesse que os países “em desenvolvimento” se tornem produtores de tecnologia, por isso, as nossas leis na área da educação estão voltadas unicamente para a educação básica para a formação de mão de obra barata.
“documento básico, que orienta o seu planejamento e as suas atividades” – O que está nas entrelinhas dessa fala é a ação de vigiar e punir, pois o professor que cumprir o currículo mínimo será gratificado, independente das necessidades ou defasagens educacionais que seus alunos apresentem. Já ouvi professores dizerem que estão cumprindo fielmente o CM, porém os seus alunos não conseguem “acompanhar” o conteúdo. É desumano instaurar uma prática onde se prioriza o cumprimento de metas em detrimento ao ser humano.
Finalmente, consideramos que o CM é apenas mais uma tentativa que já nasce frustrada pela cruel realidade do quadro educacional do Estado do Rio de Janeiro. Professores mal remunerados, escolas sucateadas, falta livros e materiais didáticos, turmas super lotadas, e a implantação de uma política de meritocracia que somente pretende criar um espírito de competição entre escolas e profissionais, são apenas alguns fatores que contribuem para esse quadro caótico. Não há e não haverá nenhum interesse da classe dominante em oferecer uma educação pública de qualidade aos filhos dos trabalhadores, o que eles desejam é educar para subalternidade para que haja a perpetuação da imensa desigualdade social existente que propicia a política de mendicância que hoje é praticada pelos homens públicos nesse país.
Danielle e André Villar
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